Como ganhar dinheiro com jornalismo

Na semana passada, dei uma aula especial da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), compartilhando meus insights e aprendizados no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism. Compartilho com vocês o texto dessa aula, com links e referências.

Diogo A. Rodriguez
11 min readJun 18, 2019

Oi pessoal, tudo bem?

Eu sou o Diogo Antonio Rodriguez, jornalista e cientista social. Fiz jornalismo na PUC e sociais na USP. Também fui aluno desse curso aqui há alguns anos.

Em 2013, criei o Me Explica, que é uma plataforma de jornalismo explicativo. A ideia é tornar as notícias acessíveis usando uma linguagem simples e direta, sem usar jargões ou palavras difíceis. Hoje, o Me Explica tem uma comunidade com mais de 40 mil pessoas em diversas plataformas.

Apesar de totalmente independente, o projeto ganhou uma certa notoriedade e eu fui convidado para dar palestras em eventos como o TEDx, Festival Path e Hack Town, fui colunista da Carta Capital, revista Galileu e da TV Cultura. O Me Explica até foi apontado como uma das iniciativas mais inovadoras da mídia independente da América Latina pelo mapa Mapa da Inovação Política, uma iniciativa financiada pela Open Society Foundation.

Mesmo assim, eu não conseguia sobreviver desse trabalho. Eu tive que continuar a fazer trabalhos como freelancer ao mesmo tempo que fazia o Me Explica. Eu não tinha a menor ideia de como ganhar dinheiro com meu próprio projeto. Então, eu descobri o curso de Entrepreneurial Journalism da CUNY, em Nova York. E é sobre isso que vou falar com vocês.

Acabei de voltar de lá. Fiz uma fellowship na City University de Nova York, no Tow-Knight Center de Entrepreneurial Journalism. A ideia desse curso, que durou um semestre, é ensinar noções básicas de negócios a jornalistas para que eles criem iniciativas sustentáveis. O que isso quer dizer?

Não quer dizer que eles acham que todo mundo vai ter uma ideia milionária e ficar podre de rico com o jornalismo. O propósito do curso é, primeiro, ajudar a criar uma iniciativa que pague as contas. Segundo, ensinar métricas e técnicas que ajudem a chegar a esse objetivo.

Jornalismo social

O fato do curso ser feito na CUNY torna a coisa toda mais especial, porque essa faculdade criou um termo que tem muito a ver com o curso Tow-Knight. O Jeff Jarvis, professor de lá, especialista em negócios e palestrante famoso no mundo do jornalismo, insiste muito na ideia de Social Journalism, ou Jornalismo Social.

O que é isso? É a ideia de que o jornalismo tem que servir a uma comunidade, seja ela qual for. Comunidade, na definição deles, é um grupo de pessoas que compartilha interesses, problemas e, mais do que tudo, o futuro. Os alunos desse curso se dedicam a se conectar com uma comunidade específica e aprender a conversar com seus integrantes.

As notícias devem servir a essa comunidade. Investigações, artigos, enfim, todo o material jornalístico deve atender às necessidades desse grupo de pessoas. O jornalista deve compreender essas questões para ser preciso em suas apurações.

O curso mistura noções de jornalismo, claro, mas também antropologia e psicologia. Os alunos têm de aprender a escutar a comunidade atentamente. Só assim vão conseguir fazer o melhor trabalho possível.

O Social Journalism se conecta diretamente aos ensinamentos do curso de Jornalismo e Negócios que eu fiz. O começo de tudo, e o apoio de tudo, é a comunidade. Um negócio jornalístico sustentável tem de atender às necessidades dessa comunidade. Só assim ele conseguirá ter relevância e importância para essas pessoas. Só assim ele será legítimo aos olhos dos que ele serve.

Isso é muito importante, na minha opinião, e abriu meus olhos. Por quê? Porque a ideia de ter um negócio envolve, necessariamente, ouvir seus clientes, consumidores, ou quem quer que use ou seja afetado por seu produto.

Importância das métricas

Eu sei que falar em ganhar dinheiro é quase um palavrão aqui no Brasil. Mas a gente não pode ignorar que o jornalismo é também um produto. Para que ele exista, é necessário que exista dinheiro que financie o trabalho de quem faz, pensa e edita o conteúdo. Eu sei que o jornalismo tem um valor social que vai além do valor do mercado. Mas isso não faz a necessidade de financiamento sumir do mapa. A medicina também tem um grande valor social e pode ser ferramenta de inclusão, mas, ainda assim, os médicos precisam ser remunerados.

Outra coisa da qual eu tenho plena consciência é de que existem diversos modelos de financiamento pelo mundo. O da BBC, por exemplo, uma organização financiada pelos impostos do contribuinte. Ou existem iniciativas financiadas por filantropia. Não estou dizendo que criar um negócio no sentido mais tradicional seja a única solução.

Mas, qualquer que seja o caso, os veículos precisam gerar valor e medir o impacto. Isso é essencial porque mostra ao mundo a importância do trabalho da imprensa. Existem, claro, aspectos intangíveis do nosso trabalho, mas o impacto pode e deve ser medido. Especialmente no que se trata dos leitores, ouvintes, espectadores, quem quer que seja.

Precisamos ter certeza de que estamos de fato falando com nosso público, que as matérias são relevantes, estão tendo impacto em suas vidas. Acho que a visão de negócio pode ajudar, a começar por esse ponto. A linguagem do dinheiro, vocês sabem, é bem direta: se dá certo, continue e expanda. Se dá errado, desista.

Essa tensão entre a ideia de serviço público e a necessidade de ganhar dinheiro estava presente no curso também, não se enganem. Havia professores muito focados em ensinar técnicas para ganhar dinheiro com o jornalismo e defendiam que a medida deveria ser sim, a receita gerada. Outros reconheciam a importância disso, mas sabiam também da parte política e social que o jornalismo tem na sociedade.

Essas visões aparentemente contraditórias estavam presentes também nos projetos selecionados. Um terço dos projetos presentes ali eram iniciativas sem fins de lucro. Organizações que vão se financiar com dinheiro privado, da filantropia, mas que não serão negócios no sentido estrito. O resto, como o meu, são projetos que podem gerar receita e se tornar pequenos negócios.

Acho que a visão de negócios pode ajudar muito os veículos, voltados ao lucro ou não, a justamente medir esse impacto do qual falei. E de mostrar ao mundo que estamos também pensando em números, sejam eles cifrões ou não.

Dito isso, vou falar sobre o grande xis da questão: como ganhar dinheiro com o jornalismo? É possível fazer isso?

Tendências do mercado jornalístico

Existem alguns diagnósticos gerais que sinalizam certas tendências. Eles nos ajudam a ver para onde o mercado do jornalismo está indo.

O primeiro diagnóstico que ouvi lá na CUNY é: organizações jornalísticas precisam diversificar receitas. A grande maioria não conseguirá sobreviver de uma coisa só, especialmente as pequenas. As principais fontes de receita atualmente são: assinaturas, associação, patrocínios, produção de conteúdo, eventos, anúncios não programáticos, doações, consultorias, venda direta de produtos. Não raro (e o mais recomendado), é que os veículos combinem diversas fontes para viabilizar suas operações.

Existem alguns exemplos de como isso funciona. O New York Times, por exemplo, não sobrevive apenas das assinaturas ao jornal. Eles criaram uma estratégia que também inclui vender assinaturas separadas para a seção de culinária e de palavras cruzadas. Eles também têm conseguido receita significativas de anúncios online.

Outro exemplo é o Texas Tribune, um jornal local do Texas. Ele é uma organização sem fins lucrativos. O jornal tem, hoje em dia, 10 mil associados, que pagam um valor para ter acesso a conteúdos e eventos exclusivos, promove eventos, que são patrocinados e têm ingressos pagos, e recebem também doações.

Como eu já falei no começo, as métricas são outro aspecto essencial dessa visão de negócios. Você precisa saber como seu produto está indo para ter uma noção real do estado das coisas. Existem diversas combinações de coisas que podemos medir. No New York Times, por exemplo, a estrela polar (um termo usado nos EUA, “north star”) é o número de assinaturas. Toda a estratégia comercial e de marketing do jornal está baseada nisso.

Para fazer isso, o jornal criou uma equipe interna que cuida de alinhar estratégias de negócios com o jornalismo e a missão da organização. No New York Times, esse é o departamento de transição digital. Eles testam novas ideias, fazem as medições necessárias e encaminham os produtos que são mais promissores. O podcast The Daily nasceu desse departamento. No começo, ele tinha uma equipe de três pessoas. Hoje, são quase vinte.

As métricas são importantes porque elas permitem mudar a estratégia antes de que grandes quantidades de dinheiro sejam investidas em algo. Se você consegue perceber rapidamente que algo não vai dar certo, tem a oportunidade de mudar ou, como eles gostam de dizer no mundo das startups, fazer o pivô.

É claro que organizações grandes e ricas têm mais tempo e dinheiro para testar. O NYT, por exemplo, fez diversos testes com um app chamado NYT Now. Ele durou alguns meses e foi desativado porque não gerou mais assinaturas. Mas algumas de suas funcionalidades foram incorporadas ao app principal do jornal. Ele gerou um aprendizado negativo e um positivo.

Prototipagem é acessível a todos

Uma organização pequena e desprovida de fundos, como o Me Explica, pode fazer testes de outras maneiras. Criar uma página no Tumblr e escrever meia dúzia de textos exigiu recursos dos quais eu podia dispor, ou seja, algumas horas do meu trabalho. Com isso, descobri que existe uma certa demanda por um produto que explica as notícias.

A prova maior disso é o Nexo, que é uma empresa dedicada a fazer isso. Mostra que o meu achado estava correto. Eles tiveram a competência de fazer isso funcionar, coisa que eu não tinha. Mas eu descobri isso sem gastar dinheiro algum mais de um ano antes de o Nexo ser fundado.

Não vou entrar em detalhes aqui, mas existem muitos jeitos de testar a demanda por um produto sem gastar dinheiro. Várias ferramentas permitem hoje que a gente crie os chamados protótipos, que são uma versão tosca de um novo produto, mas que ajuda os possíveis leitores ou clientes a visualizarem o que você está propondo.

Fazer um protótipo é um dos passos nesse processo que é criar um negócio. Foi exatamente isso o que eu fiz por lá. Cada etapa do curso era uma etapa na jornada de uma pessoa que está tentando criar um negócio.

Tudo começa, claro, identificando as necessidades de notícias de uma determinada comunidade. Em seguida, você precisa de fato conversar com a potencial audiência para entender como eles são, o que fazem, o que querem. É preciso conversar também com potenciais parceiros, organizações ou pessoas que têm uma missão parecida com a sua e que podem se beneficiar do seu trabalho (e você do deles).

Para saber das oportunidades de financiamento, você precisa conversar com empresas, agências de publicidade e outros atores que podem pagar para estar junto do seu conteúdo (ou comprar conteúdo para eles próprios). Com essa informação, você começa a ter dados a respeito de como seu produto vai se comportar no mundo real.

Também é preciso desenhar seu negócio no que se chama um canva, que nada mais é do que uma planta. Existem vários modelos disponíveis até de graça na internet. O legal dessa técnica é que ela faz você enxergar quais são os principais elementos do negócio: parceiros, custos, proposta de valor, canais de relacionamento com os clientes, segmentos de consumidores, fontes de receita, recursos principais.

Quando você está pronto para começar a colocar seu protótipo em fase de teste, você precisa saber de antemão o que você está medindo. Só assim você vai entender se o negócio tem potencial ou não. Se sua estratégia é ter um grande número de seguidores, seu protótipo vai ter de atrair seguidores. Se você quiser vender assinaturas, tem de entender o que leva as pessoas a comprar uma assinatura.

E isso tem funcionado para diversos pequenos e médios negócios ao redor do mundo. Em várias plataformas diferentes, novos projetos têm aparecido de maneira independente, sem precisar de grandes investimentos ou grandes grupos apoiando as ideias.

Estudos de caso

Alguns exemplos são o The Skimm, uma newsletter explicativa cujo público-alvo é as mulheres millennials americanas. Elas têm mais de um milhão de assinantes.

Outro bom exemplo é o The Correspondent, que na Europa fez sucesso e arrecadou milhões em crowdfunding. Eles abriram uma versão em inglês voltada aos Estados Unidos e conseguiram dois milhões de dólares antes de começarem a funcionar oficialmente.

O site de arte Hyperallergic começou como uma iniciativa de um repórter de arte e seu marido. Hoje, o site se sustenta com anúncios. E eles ainda criaram uma rede de veículos de arte para os quais o HyperAllergic vende anúncios e cobra uma comissão. O Skift nasceu com um propósito claro: cobrir a indústria de viagens. O público deles são as empresas. Eles também entenderam que não deveriam ficar gigantes e nunca cresceram de maneira descontrolada. Hoje, são um negócio estabelecido, fazem eventos caríssimos e vão abrir um braço para cobrir a indústria alimentícia.

Um outro aprendizado importante desse curso é que veículos jornalísticos não deveriam entrar na aventura de aceitar capital de risco, o VC. Esse tipo de investimento requer retornos altíssimos em pouco tempo e o jornalismo nunca foi capaz de entregar grandes margens de lucro, mesmo em seus tempos áureos. Por isso, empresas como Buzzfeed, Mashable, Mic, Upworthy, se deram muito mal.

Vou terminar explicando porque pensar dessa maneira, ou seja, criar um ecossistema de mídia que seja sustentável e não deixe ninguém milionário, é uma boa saída para os tempos em que vivemos. Antigamente, vocês sabem, existiam poucos veículos. Eles tinham grande poder de disseminação sobre as massas, exigiam grandes investimentos e atraiam volumes enormes de dinheiro na forma de anúncios e patrocínios.

Um novo modelo de negócios

Os anunciantes recorriam a esses veículos porque haviam poucas opções. E os preços altos se justificavam por essa falta de opções e pelo aspecto de massa que TVs, rádios e jornais tinham. Hoje, vocês sabem, isso mudou muito.

Os anunciantes não compram mais a ideia de que um leitor passa os olhos por todas as páginas de uma revista, que ele assiste a um programa de TV com atenção do começo ao fim. A internet mede com uma precisão assustadora o impacto que um anúncio tem. Sabe-se os segundos gastos em uma propaganda, onde a pessoa parou de ver (no caso de vídeos), quantas pessoas viram, quem elas são, onde estão do que gostam.

A imprensa sempre foi financiada por anúncios e hoje isso é quase impossível. Voltemos ao exemplo do New York Times, que é obcecado por assinaturas. Por sua vez, o modelo de anúncios programáticos (aqueles que rastreiam o usuário e são personalizados) exige enormes volumes de acessos. Tão grandes que é impossível ganhar dinheiro com isso. Nós aprendemos isso de um jeito duro.

Hoje, vemos as organizações de mídia se afastando desse modelo porque ele impõe a necessidade de enormes audiências o tempo todo, prejudicando a qualidade do conteúdo — vale a mais a pena fazer uma lista divertida do que um conteúdo investigativo — e os repasses são ínfimos. Vemos cada vez mais a necessidade de conversar com nossos leitores, espectadores, ouvintes, de maneira direta, sincera e transparente.

Temos que admitir a eles que precisamos deles para sobreviver e, para fazer isso, precisamos estar de ouvidos abertos. Embora a gente saiba que o dinheiro pode corromper as coisas, a falta dele também pode nos levar a diminuir a qualidade do jornalismo e até desistir dele. Essa abordagem focada em pequenas iniciativas que servem a comunidades específicas pode ajudar a democratizar a receita do jornalismo (uma vez que ela não fica concentrada em grandes grupos) e também a levar notícias a grupos que precisam de informação de qualidade e de jornalismo.

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Diogo A. Rodriguez
Diogo A. Rodriguez

Written by Diogo A. Rodriguez

jornalista, criador do meexplica.com, especialista em #tecnologia #ciencia #politica #democracia

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