O Fluminense e a chocante desconexão do futebol com a realidade

Parafraseio, mas ouvi as seguintes análises durante a transmissão da final do Mundial de Clubes:
“O importante é que o Fluminense manteve seu estilo de jogo”
“O Fluminense está jogando bem” [perdia por 2 a 0 e não jogava]
“É raro um time brasileiro manter seu estilo de jogo frente a um europeu” [no intervalo do jogo].
“Foi um grande jogo de futebol”.
“O Fluminense é melhor que muito time europeu.”
Minha ideia não é acusar ninguém, por isso não vou falar o nome do canal ou dos autores dos comentários acima. Mas fiquei chocado com a distância entre o que eles diziam e o que estava acontecendo em campo.
O Fluminense não jogou bem. Pouco ameaçou o City em qualquer momento do jogo. Tomou o primeiro gol aos 40 segundos do primeiro tempo, o que colocou a partida totalmente nas mãos dos europeus.
Estava bastante claro que o Manchester City estava jogando com bastante tranquilidade, mesmo quando ainda estava um a zero. O Fluminense tentava “impor” seu estilo de jogo, mas não era páreo para o time inglês.
No entanto, o que eu ouvia na transmissão estava completamente desacoplado da realidade. O narrador dizia que o Fluminense estava bem no jogo, os comentaristas concordavam. Não estava. O resultado do jogo expressa bem o que foi a partida.
Fiquei assustado esse descompasso. Por que esse pessoal estava tão fora da realidade? O que explica isso?
Realidade x narrativa
Talvez seja o fato de que cada vez mais, quem transmite jogos está nas mãos das grandes empresas de eventos e entretenimento. Então, é necessário valorizar o “produto”, enfeitar a coisa, mesmo que isso signifique entrar em colisão com a realidade. É preciso agradar o público consumidor para garantir os números, os patrocínios e fechar a conta.
Isso nos leva a outra questão: o esporte está cada vez mais distante dos domínios do jornalismo e submetido ao campo do entretenimento. O importante não é retratar o que está acontecendo, mas sim divertir. Analisar não é a prioridade, mas sim, empolgar, emocionar, criar um espetáculo.
O esporte é mais uma vítima desse processo, que inclui a derrocada da imprensa profissional e o predomínio da internet como plataforma de comunicação e distribuição de conteúdo. Isso está acontecendo em vários outros campos profissionais e sociais.
Não quero romantizar demais o passado e dizer que “antes” tudo era perfeito ou até melhor. Mas, creio, havia a intenção de minimamente retratar a realidade e informar. Hoje, a ordem é agradar e engajar. Emplacar a narrativa e conquistar adeptos é a vitória maior.
Pode ser um ponto de vista antiquado, mas ainda creio que, para termos uma boa sociedade, baseada em princípios democráticos e republicanos, é necessário que se almeje ter algum tipo de objetividade. Ainda que ela seja disputada, contestada e retrabalhada a todo momento.
Creio haver um grande risco no puro entretenimento, no mundo em que o “conteúdo” é rei, e não a preocupação com o que é factual ou minimamente preciso. Sim, futebol é divertido., é uma distração, mas não precisava ser apenas ópio.
Ver a desconexão entre o que estava evidente na tela e o que diziam os comentaristas me assustou, confesso. Sei que torcedores são irracionais e passionais, mas profissionais da imprensa não deveriam ser.