Rádio Ambulante: do zero aos US$ 700 mil

Diogo A. Rodriguez
4 min readDec 16, 2022

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Da esquerda para a direita: editor de engajamento Jorge Caraballo, estagiária editorial Maytik Avirama, CEO Carolina Guerrero, editora sênior Camila Segura e produtor David Trujillo.

Na semana passada, participei de um bate-papo com a Carolina Guerrero, CEO da Rádio Ambulante. Ela participou do evento EJCP Speakers, promovido pela Escola de Jornalismo da CUNY.

Rádio Ambulante é um podcast em espanhol que com mais de 200 episódios produzidos em mais de 20 países. Hoje, são um estúdio de produção de conteúdo. Se você não conhece o programa, sugiro encarecidamente que ouça pelo menos um episódio.

Guerrero fez um relato muito rico para quem se interessa por modelos de negócios no jornalismo e também quer entender melhor como uma iniciativa nova, feita do zero, pode ter sucesso e aprender com os percalços.

O primeiro pitch da ideia que os fundadores tiveram, dentre eles o aclamado Daniel Alarcón, era curto e direto: “É o This American Life, mas em espanhol e sobre a América Latina”.

Para quem não conhece, o This American Life é um dos programas de rádio (e podcasts) mais famosos dos EUA. Toda semana, eles falam sobre um tema usando diferentes história. O TAL criou o “padrão-ouro” para os podcasts jornalísticos: narrativas ricas em emoção e informação, com uma produção sonora envolvente e impecável.

Exatamente o que faz a Rádio Ambulante.

“Não pode ser em inglês?”

Guerrero conta que, ao vender a ideia para possíveis interessados, a resposta era sempre a mesma: “Gostei muito, mas não pode ser em inglês?”. Os fundadores acreditavam que o idioma era parte essencial da equação e não abriram mão do espanhol.

Infeliz ou felizmente, isso trouxe algumas dificuldades para fazer o projeto decolar. Conseguir dinheiro para financiar os episódios-piloto estava difícil. Por isso, conta Guerrero, decidiu-se por fazer uma campanha de financiamento coletivo no Kickstarter.

Assim, seria possível obter dois dados importantes: (1) Eles saberiam se o público realmente se interessava pela ideia; (2) Saberiam se estariam dispostos a pagar por isso. Essas duas informações seriam essenciais na trajetória posterior da Rádio Ambulante.

Veio, então, o primeiro sucesso: a campanha não só atingiu a meta de US$ 40 mil, como arrecadou US$ 6 mil adicionais. Ao menos estava garantida a execução dos pilotos que fariam a prova do conceito e dariam vida à ideia.

De onde tirar dinheiro?

A primeira leva conseguiu chamar a atenção do público e potenciais mantenedores. Carolina Guerrero conta que, desde o início, a equipe decidiu que a Rádio Ambulante não deveria depender de publicidade, a fim de manter a independência.

Decidiram se aproximar de fundações familiares em busca de bolsas e grants. Tiveram um certo sucesso, mas “para mim”, diz Guerrero, “a filantropia não era a solução”. O problema, ela explica, é que demora muito para construir relações com essas instituições. Ou seja, o dinheiro demora a chegar em quem precisa. E, na época, existiam poucas fellowships focadas em diversidade na mídia, algo mais comum hoje.

Como gerar receita, então?

Uma saída bastante engenhosa foi procurar podcasts que eles admiravam para tentar estabelecer parcerias de conteúdo. A ideia aqui era usar o conhecimento deles em relação à América Latina para vender histórias que interessariam a esses programas, mas que eles, sozinhos, não conseguiriam produzir.

Na lista de parceiros iniciais estavam podcasts famosos como Radiolab (um dos melhores até hoje) e Snap Judgmente. Como conseguiram convencer esse pessoal? “As histórias eram poderosas. As pautas eram poderosas”, diz Guerrero. Resumindo: fizeram uma proposta que os podcasts não poderiam recusar.

Investindo na comunidade de ouvintes

Hoje, a Rádio Ambulante tem contrato com o sistema NPR e recebe para produzir novos episódios do seu podcast principal e do novo, El Hilo (O Fio). Mas ela também tem um programa de membros, que gerou mais de US$ 700 mil desde que foi criado, em 2019.

Quem acompanha a Rádio Ambulante sabe que sua relação com a comunidade de ouvintes é intensa. Além do programa, eles promovem festas, convidam ouvintes para ouvir os programas, conversam com as pessoas nas redes sociais.

Apesar de terem lançado o programa de membros em 2019, a CEO conta que, desde o início, eles queriam receber feedbacks de sua audiência. Usavam formulários e interações nas redes para capturar esses dados. Foi assim que descobriram haver interesse da comunidade em pagar para apoiar o projeto.

Atualmente, uma pessoa da equipe se dedica exclusivamente ao gerenciamento da comunidade, gerando dados, informações e interagindo com os ouvintes. Guerrero diz que, olhando para trás, eles teriam criado esse cargo desde o início da Rádio Ambulante.

“Comunidades requerem presença, interação, engajamento. Mas também queremos que eles sintam que a comunidade é maior que o podcast. Investimos muito para manter essas relações vivas. Queremos que sintam que o podcast é uma âncora.”

As opiniões dos membros influenciam os conteúdos serão produzidos e como serão produzidos. Foi de uma pesquisa que nasceu o podcast El Hilo. A comunidade queria conteúdos explicativos sobre as notícias da América Latina. O El Hilo é hoje outro projeto de sucesso.

Conclusão

O caso da Rádio Ambulante mostra vários caminhos para que projetos menores consigam sustentabilidade financeira mantendo a qualidade jornalística. Embora não haja uma NPR aqui no Brasil, creio que três insights foram importantes: (1) Não seria possível sobreviver apenas do dinheiro de fundações; (2) Era necessário buscar fontes mais estabelecidas de legitimidade e (3) A comunidade é uma fonte de ideias, feedback, mas também de apoio financeiro.

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Diogo A. Rodriguez
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Written by Diogo A. Rodriguez

jornalista, criador do meexplica.com, especialista em #tecnologia #ciencia #politica #democracia

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